quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Ely.

10 de Maio de 1985, nasce Ely.

Desde moleque, Ely sempre foi descolado, não dava importância pra nada que diziam sobre ele, ele é de um tempo onde não existia a expressão Bullying, até os nove anos, era uma criança como outra qualquer, gostava de jogar futebol na rua, empinar pipa, jogar pião.

Mas aí, começou a ter problemas com o peso, engordou e nem por isso deixou de ser feliz, vivia sorrindo, contando piadas, era sempre o centro das atenções. Criado pela a avó, devido à falta de tempo dos seus pais, que davam duro no trabalho, Ely só voltava pra casa à noite, por volta das 19h. Sempre muito inquieto, sua rotina começava cedo a cada dia, começando pelo treino de karatê às 6h da manhã, às 7:30h tinha que estar na escola, às 14h tinha reforço escolar, que ia até às 16:30h, na casa da vizinha da frente, Dona Nilda. Uma velha ranzinza, que vivia com seu cigarro na boca, trabalhando pra sustentar sozinha, seus cinco filhos.

O tempo passou, Ely cresceu, saiu da casa de sua avó e foi morar com os pais definitivamente aos 12 anos, afinal, já tinha idade suficiente pra ficar sozinho em casa. Não era bem isso que acontecia. Todos os dias, Ely saia de casa e ia pra rua, brincar, jogar bolinhas de gude, com 12 anos, é isso que todo garoto faz, mas só da esquina da Rua Mato Grosso até a esquina da Rua Acre, ali era o limite. O tempo foi passando, Ely foi crescendo e junto com ele, as ambições. Os interesses foram mudando, na rua, ele começou a aprender cedo o valor que as coisas tem, que quem tem mais, manda. Ele queria mais, e começou aos 15 anos, sem um trocado no bolso, apostar em bares, nas mesas de sinuca. Homens feitos, que não deveriam deixar que ele entrasse no jogo, o incentivaram a jogar, claro, inexperiente, viam nele uma presa fácil, uma fonte de renda, ao menos até onde ele quisesse jogar. Ely, sagaz, aprendeu rápido como funcionava o sistema ali, e logo deixou de ser devedor e passou a emprestar dinheiro, começou a apostar, lucrar com tudo aquilo, lógico que escondido dos pais. Não duraria muito tempo tudo aquilo, foram meses vividos dia a dia, ganhando, perdendo, ganhando e perdendo. Nos melhores dias, Ely, com 15 anos, tirava por volta de 300 reais, mas também já chegou a perder 500, que logo tratou de recuperar, na mesma mesa de sinuca.

Dinheiro de jogo é dinheiro abstrato, ninguém nunca vê, nunca viu, só se sabe que é sujo, no pior sentido da palavra. E ali, ali naquele bar, naquela mesa, ele viu a figura da sua mãe estática, como quem não acredita na cena que está diante dos olhos, e ela não acreditou, não queria acreditar que naquele momento estava vendo seu filho, criado a pão de ló, enfiado num bar, cheio de homens, bebidas, cigarros, drogas, e dinheiro sujo, mas dinheiro. Não aquele filho que ela tinha criado, aquele Ely.

Então ela saiu, calada, com suas lagrimas escorrendo pelo rosto, voltou pra casa, e seu primogênito a seguiu, com a cabeça baixa, convicto que algo estava errado, ele estava errado. Entrou em casa, e sem dizer nenhuma palavra, viu sua mãe num ato de desespero, desferir várias vezes contra ele, um cabo de vassoura, e no fim de tudo, quando já não tinha mais forças pra agüentar a surra, Ely se abaixou e começou a chorar, chorou junto com sua mãe, no fundo ele sabia que aquilo seria o começo do fim. Só sobraram daquele episódio, hematomas pelo corpo, cansaço e os vários pedaços do cabo da vassoura espalhados pelo chão.

O tempo passou, e no dia 24 de setembro de 2006, veio aquela que seria a pior perda para Ely, sua avó acabara de falecer.
Era domingo, 10h da manhã, quando Ely voltava do hospital, assim que pisou pé na calçada de casa, seu vizinho lhes deu o recado, era um recado de sua mãe, que ele tinha deixado em seu posto, pra cuidar dela. Os últimos 3 meses foram de incansáveis batalhas, muita lágrima derramada, lamentações quando não tinha ninguém por perto. Então ele seguiu todo o padrão, calado, no seu canto, quieto. Não dava uma palavra com ninguém, e encostado numa pilastra, via todo o movimento ao redor do caixão, gente indo e vindo, choros e gritos. Não conseguia entender de onde vinha tanta dor, gente que nem lembrava que ela existia, não sabia nem o seu aniversário. E nos últimos momentos, em direção ao cemitério, Ely fez questão de segurar uma das alças e carregar o caixão até lá, acomodou-o, e suas ultimas palavras naquele dia foram: ‘ Saudades eternas, vovó. ’ Ele escreveu, fez questão que fosse assim. Cuidou para que tudo corresse sem nenhum imprevisto, que por ironia já se tornara um, ninguém queria, nem esperava que ela fosse embora, não daquele jeito, não tão cedo quanto foi. Ely voltou sozinho, caminhando, calado .. Não queria dizer nada, na verdade, nem conseguia.

Ely era um sonhador, um moleque cheio de planos, que queria dar certo na vida, foi criado e bem criado, mas caiu nas ruas, chegou até a fugir de casa, se envolveu com drogas, passou a querer mais, sempre queria muito, sempre queria mais e mais, estava fugindo do controle, ele não contava com essa perda, era uma fuga, um caminho alternativo, ele sabia que não daria muito certo, era um caminho sem volta. O que será que faz um garoto com uma vida inteira pela frente, cair no caminho errado? São muitas respostas, subjetivas até. Teve problemas com a polícia, quase morreu, mas o seu anjo da guarda estava ali, sempre ali, incansável, no lugar certo, na hora certa.

Mas como? Como um cara simpático, apresentável, de boa conversa, boa família poderia dar errado na vida? Paralelamente a isso, Ely se envolveu com mulheres, de todos os tipos, várias delas. Algumas lhe apresentaram coisas boas, outras nem tanto. Foi assim que ele acabou conhecendo a outra face desse mundo, o lado escuro das ruas, as noitadas, as festas ... Acabou jogando seu relacionamento no lixo, um relacionamento estável, com aquela que era o seu amor. Se deixou levar pela aparência, aquela mesma palavra pela qual ele conseguia ter o que queria. Apesar de na infância não ter se preocupado muito, quando cresceu, Ely começou a fazer sucesso com as mulheres, mesmo fugindo um pouco à regra, aquela do carinha malhado, cabelinho liso, olhos azuis.

Ele tinha mesmo era conversa, sabia conquistar no papo, sedutor, um típico Don Juan, observador, bom ouvinte, sabia descobrir os pontos fracos das mais diversas mulheres que encontrava, e era por ali o caminho que ele seguia, e obtinha sucesso. E não só com elas, mas também com seus amigos, ou melhor, “ amigos”, que o deixaram pra trás quando ele perdeu tudo o que tinha. Seus planos já não existiam, o futuro promissor, deu lugar a uma vida vazia, sem sentido, regada a álcool e drogas, todas as noites, em qualquer lugar, em todos os lugares. Mas Ely amou, uma única vez, uma única pessoa, a mesma que ele deixou que fosse embora, trocada por uma vida leviana que, no futuro, não valeria a pena.

Hoje, Ely é adulto, tem 26 anos. Publicitário, e bem sucedido. Vive sozinho em sua casa, uma boa casa, na praia.
Fruto de uma vida suja, Ely se tornou um cara triste, de poucos amigos, diria até que nenhum. Mas vive em busca de um ideal, construir uma família e poder educar seus filhos, tendo como exemplo tudo que viveu.

Mas nada é certeza, e enquanto isso, Ely vai vivendo, dia após dia, na incerteza de um futuro certo, lutando contra suas lembranças, curando suas feridas, tentando não deixar que o passado se torne presente, e que tudo fique em seu devido lugar. Hoje, seu companheiro inseparável é o velho cigarro, que conheceu num dos seus acessos de raiva, tentando controlar sua fúria, e nos momentos em que precisa se acalmar, parar e pensar, é a ele que Ely recorre. É assim que ele vive, sozinho, em busca de novos sonhos. Na esperança de um dia voltar a sorrir, na tentativa de acreditar no destino, no seu destino e quem sabe, encontrar com a felicidade em uma esquina qualquer.

Ah! E eu? Eu me chamo Léo, e sou só o irmão do Ely, tentando contar sua história.

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